Jejum de dopamina: será que ele é a resposta?
- 20 de dezembro de 2022
- 15:42
- Talitha Benjamin
Não dá para negar que vivemos em uma sociedade moderna, governada pela tecnologia e pela facilidade em se comunicar. Cada vez mais pessoas estão percebendo suas rotinas tomadas pelo uso do celular, por exemplo, que facilita e simplifica praticamente todas as tarefas e atividades diárias, fora os infinitos estímulos que nos oferecem para consumo. Tudo isso pode parecer apenas o processo natural de desenvolvimento do mundo em que vivemos, mas é importante refletir sobre o quanto esses estímulos e “facilidades” nos afetam emocionalmente e psicologicamente.
Quando falamos sobre os efeitos da modernidade e tecnologia no cérebro, precisamos falar também sobre a dopamina: o componente químico cerebral responsável pelo sentimento de prazer e recompensa tem sido associado com diversos problemas causados pelo excesso de estímulos, a ponto de alguns especialistas em bem-estar e saúde mental incentivarem o “jejum de dopamina”. Mas até que ponto precisamos nos preocupar com o excesso de prazer, e será que nos privar do que nos faz bem é realmente benéfico a longo prazo?
Aqui, você vai entender sobre o que é a dopamina, como ela funciona, e se apostar em uma privação deste componente químico pode realmente ser útil. Vem ver:
Afinal, o que é dopamina?
A dopamina é o neurotransmissor responsável por desencadear sensações de recompensa e de prazer no nosso cérebro. Ela pode ser liberada em diversos momentos: ouvir as músicas que você gosta, fazer compras, o cheiro de uma comida irresistível quando se está com fome, ou chegar em casa após um dia cansativo são sensações que nos “presenteiam” com uma boa dose de dopamina.
Para além do prazer e da alegria, a dopamina também tem a função de despertar outras funções cerebrais benéficas, como a concentração, o foco e a satisfação, que por sua vez, ajudam a melhorar a memória, atenção, reduz o estresse, contribui para o ganho de massa muscular e também para o bom-funcionamento do sistema digestivo. A dopamina está ligada até mesmo ao amor e ao sexo, já que estar com a pessoa que amamos ou por quem sentimos atração sexual desencadeia altos níveis deste hormônio no cérebro. Por conta de todas essas funções, a dopamina faz parte do que chamamos popularmente de “hormônio da felicidade”.
Mas eis o lado ruim da dopamina: a ciência aponta que ela está diretamente ligada ao reforço, ou seja, quanto mais a sentimos, mais a desejamos. Por isso, é tão difícil comer só um chocolate, ou ouvir sua música favorita apenas uma vez, sair da cama de manhã, ou ficar longe da pessoa que você gosta.
Vício em dopamina: entenda o fenômeno
Parece meio absurdo falar sobre os malefícios da felicidade excessiva, mas o conceito de vício em dopamina está muito mais ligado à facilidade em alcançar prazeres rápidos com efeito altamente recompensador. A dopamina, após oferecer a sensação “boa”, nos impulsiona a desejá-la cada vez mais, e em maiores quantidades, criando dependência. As drogas ilícitas altamente viciantes com as quais a sociedade se preocupa constantemente seguem a mesma lógica, só que com efeitos muito mais prejudiciais.
No entanto, no nosso dia a dia, existe uma quantidade enorme de estímulos altamente viciantes que estão facilmente ao nosso alcance: açúcar, álcool, pornografia digital, videogames, internet e também as redes sociais e seus algoritmos cada vez mais assertivos são alguns dos aspectos da vida moderna e tecnológica que nos proporciona estímulos com recompensas imediatas.
O vício em dopamina ocorre quando, por conta do acesso constante ao estímulo positivo, a nossa sensibilidade diminui, e o nosso cérebro precisa de cada vez mais prazer para sentir-se satisfeito, e se torna cada vez mais sensível ao sofrimento e aos sentimentos negativos. Simplificadamente, esse processo curioso do cérebro significa: quanto mais dopamina, menos prazer, e mais sofrimento.
Quais efeitos colaterais o excesso de dopamina pode causar?
Se tudo em excesso faz mal, inclusive os prazeres e recompensas, o que podemos esperar de um cérebro estimulado constantemente? O perigo do desequilíbrio entre sofrimento e prazer foi explorado a fundo pela psiquiatra Anna Lembke em seu livro “Nação Dopamina”. Na obra, a doutora afirma que a dopamina e seus prazeres instantâneos incentivam a compulsão por substâncias e comportamentos que, em geral, fazem mal para a saúde e o bem-estar dos seres humanos (alguns mais, outros menos).
Para exemplificar, ela utiliza o fato de que 70% das mortes no mundo são atribuídas a comportamentos modificáveis, como vícios (em especial, ao alcoolismo e ao tabagismo), sedentarismo e má-alimentação. Isso, em um panorama geral, nos mostra que a busca incessante por prazer e recompensa pode comprometer a nossa capacidade de autocontrole, a nossa sensibilidade ao tédio e às pequenas frustrações da vida, fazendo com que cada vez mais busquemos por escapes e distrações que, a longo prazo, podem ser prejudiciais.
Quando aderir ao detox/jejum de dopamina?
Em resposta ao problema apresentado pela doutora Anna Lembke, surgiu o “jejum de dopamina”. O conceito pode ser visto em vídeos que viralizaram nas redes sociais – paradoxal, não? – com pessoas que passaram a privar-se de prazeres – comida, internet, sexo, e por aí vai – com a expectativa de aumentar a sua sensibilidade para os estímulos e viver novamente a intensidade das atividades com as quais se acostumaram.
Apesar do jejum de dopamina ser uma alternativa melhor do que cegamente consumir e deixar-se ser engolido pela compulsão por sentir-se bem, a verdade é que é impossível fazer jejum de uma substância química natural, produzida pelo cérebro, principalmente se os estímulos vêm de coisas impossíveis de se abster, como internet, celular, contato humano ou comida, por exemplo. Muito pelo contrário, apostar no jejum de dopamina pode te privar de experiências genuinamente prazerosas, essenciais para o bem-estar humano.
Portanto, não há motivos para se privar de comportamentos e atividades, desde que sejam realizados de forma saudável e consciente, respeitando limites e de forma natural. A necessidade está em moderar e regular o uso de sistemas que foram criados justamente para instaurar o nosso consumo desenfreado, como os algoritmos de sites de compras e de redes sociais, por exemplo.
O desafio é encontrar maneiras saudáveis e equilibradas de obter prazer, e podemos começar por admitir, aceitar e saber conviver com o fato de que a dor, o sofrimento e o tédio são inevitáveis na nossa experiência enquanto seres humanos, e que é preciso sentir-los para sermos recompensados com as alegrias e prazeres.
Leia também: Distúrbio de imagem: como o efeito zoom afeta a nossa relação com o corpo