Stealthing: entenda o termo e saiba como denunciar
- 30 de maio de 2022
- 17:01
- Talitha Benjamin
Nos últimos anos, o debate sobre a importância do consentimento nas relações sexuais ampliou-se de forma significativa. Apesar disso, a misoginia ainda fala muito alto, e atos de violência contra a mulher são normalizados até mesmo nas relações íntimas. Um ótimo caso para exemplificar a importância desse esclarecimento é o stealthing, uma prática que apenas recentemente passou a ser discutida como violação sexual.
O que é stealthing?
O termo stealthing refere-se ao ato de remover propositalmente a camisinha durante a relação com penetração, sem o consentimento ou sabedoria do parceiro. O exemplo mais comum de stealthing é quando uma mulher consente ao sexo com preservativo externo, porém, durante o ato, o homem remove-o durante a relação sem informar à vítima. Enquanto nem todos os cenários deste tipo de violação são iguais, o denominador comum é o desrespeito aos limites e ao consentimento da vítima, configurando um crime sexual.
A tradução literal do termo, que significa “furtivo”, está relacionado diretamente ao ato de enganar o parceiro: o agressor leva a vítima a acreditar que está envolvida em uma relação sexual segura, enquanto remove a proteção de forma camuflada, passando a praticar a penetração sem o consentimento do parceiro, podendo informar apenas depois, ou até mesmo nunca, expondo-a aos riscos do sexo desprotegido.
No Brasil, o ato caracteriza um crime de violação sexual mediante a fraude, conforme descrito no artigo 215 do Código Penal, sujeita a reclusão de dois a seis anos. No entanto, a cultura misógina brasileira ainda dificulta muito o debate e o enquadramento do crime, inibindo vítimas de denunciarem, e até mesmo de conseguirem identificar a situação como uma violência.
Stealthing: porque é tão prejudicial e traumático?
Assim como qualquer ato de violência e importunação sexual, o stealthing traz consequências físicas e emocionais para as vítimas. Sem o uso de preservativo, as chances de contração de uma infecção sexualmente transmissível é significativa, assim como o de uma gravidez não planejada. Além disso, por ser um crime que envolve o ato de enganar e mentir, passar pelo stealthing traz profundos efeitos psicológicos e emocionais, podendo causar traumas e até mesmo o desenvolvimento de doenças como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.
Stealthing, consentimento e a cultura do estupro
O stealthing, ou outros crimes e importunações sexuais, acontecem todas às vezes em que uma atividade íntima ou sexual (não importa se sejam só beijos, amassos, toques, ou sexo com penetração) não acontece de comum acordo de ambas as partes. Ou seja, você (e seu parceiro) tem direito de escolher o que fazer, quando fazer, com quem, e como. Dar o seu consentimento inclui também ser livre para comunicar os seus limites, expectativas, preferências e desejos ao seu parceiro, e ter todos esses aspectos respeitados antes, durante e depois da relação sexual e íntima. Caso contrário, ela não será consentida, logo, configurará crime ou importunação sexual. Para exemplificar: sexo só com consentimento, do contrário, trata-se de estupro, abuso ou assédio.
O fato do stealthing ainda ser normalizado, e apenas discutida enquanto violência sexual em poucos círculos, faz com que a experiência seja ainda mais difícil. Isto porque esta prática está enraizada em noções bastante problemáticas sobre o sexo, fortemente influenciada pela cultura do estupro: enquanto os homens são encorajados a serem sexualmente agressivos e a não se importarem com os limites e o bem-estar do parceiro, as mulheres são ensinadas a serem passivas e submissas aos desejos do homem. São essas expectativas sobre gênero que normalizam atos como o stealthing e outros crimes que violam a dignidade, a integridade física e emocional, e o direito ao sexo seguro e consensual.
Conforme as discussões sobre os efeitos da cultura do estupro e da misoginia aumentam, se discute também como estes elementos interferem nas relações entre homens e mulheres: é muito comum, por exemplo, que o crime de stealthing ocorra em relacionamentos estabelecidos e casamentos, o que implica que o consentimento é algo dificilmente discutido — e respeitado — para a maioria das pessoas.
Para evitar que atos como o stealthing aconteçam, é preciso que toda a sociedade, de forma conjunta, passe a enxergar o consentimento como algo primordial, essencial e indispensável. Não há relação sexual segura sem consentimento, e ele precisa ser assegurado para garantir a segurança, integridade e dignidade de todas as partes envolvidas em uma relação — sexual ou não.
Além disso, é essencial que o acolhimento às vítimas seja feito de forma sensível, sem culpabilização e oferecendo suporte emocional, psicológico e jurídico para que haja um espaço seguro para a recuperação e subsequente denúncia e punição do agressor.