Precisamos falar sobre relações abusivas familiares
- 27 de julho de 2022
- 16:00
Nos últimos anos, extensas discussões e debates sobre relacionamentos abusivos têm sido fomentados. Se tratando de uma das pautas principais do feminismo, quando pensamos em “relação abusiva”, a imagem que vem à cabeça é sempre um casal, geralmente, com a figura do homem enquanto abusador, que utiliza de diferentes tipos de violência para manter a vítima, geralmente uma mulher, sob seu domínio. Mas, você sabia que as relações abusivas também podem acontecer entre pessoas da mesma família?
O ambiente familiar é, por natureza, um espaço onde esperamos acolhimento e afeto, formado por pessoas que possuem intimidade, acesso imediato e profundo conhecimento de quem somos. Por isso mesmo, imaginar que alguém tão próximo possa ter intenções ruins, comportamentos tóxicos ou ofensivos, muitas vezes, nem passa pela cabeça da vítima ou de quem a cerca, e é aí que mora o perigo: atitudes tóxicas dentro do ambiente familiar costumam ser profundamente normalizadas, mesmo que envolvam violência grave, que não seriam aceitas caso fossem praticadas por alguém de fora do convívio familiar.
O que é uma relação abusiva familiar?
Quando falamos do convívio familiar, é comum que sejam marcados por altos e baixos em sua harmonia. Brigas, desentendimentos e discussões, por mais que sejam desagradáveis e, às vezes, chegam a culminar no encerramento de laços, são compreensíveis e até mesmo “normais”. No entanto, essa dinâmica deixa de ser natural quando acontece com frequência, ou quando há a presença de qualquer tipo de violência, seja ela física, psicológica, patrimonial, emocional ou social.
Apesar disso, a normalização deste tipo de interação ainda é um problema no Brasil: uma pesquisa realizada por cientistas da PUC-RS, financiada por uma fundação holandesa, ouviu crianças, pais e familiares de três capitais brasileiras, e a constatação é de que o abuso físico começa cedo nas famílias e é bastante comum: Só em São Paulo, 83% dos pais e responsáveis entrevistados disseram ter batido nos filhos antes mesmo que eles completassem 3 anos de idade. De acordo com o estudo, a violência é naturalizada através de um ciclo: homens são violentos com as esposas, que, em contrapartida, repassam o abuso para as crianças.
Mas a relação tóxica e abusiva não se resume apenas à violência física: ofensas verbais, manipulação, projeção, cobranças excessivas, punições extremas e distanciamento emocional também fazem parte da gama de interações tóxicas que podem acontecer dentro de relações familiares, principalmente as que envolvem hierarquia de faixa etária (de pais para filhos, por exemplo).
Como identificar uma relação abusiva?
Por mais que as dinâmicas de relacionamentos tóxicos familiares tenham chegado ao debate público, apenas recentemente este tipo de situação está sendo falada mais abertamente, porém, longe de chegar a um fim. No entanto, o primeiro passo é saber identificar padrões de comportamentos, atitudes e situações que podem ser prejudiciais, ofensivas e violentas – e isto vale para todas as pessoas, já que uma vítima de violência e abuso precisa de uma rede de apoio, alguém que a reconheça e ofereça a ajuda e apoio necessário.
É importante também saber identificar quais são os níveis de violência mais presentes. Em uma relação tóxica e abusiva são comuns:
Violência física: agredir fisicamente (surras, tapas, beliscões, empurrões, imobilização, etc).
Violência psicológica: ameaçar, humilhar e intimidar (xingamentos, punições desnecessárias, gritos, super proteção e controle autoritário, manipulação da vulnerabilidade, etc).
Violência sexual: qualquer tipo de contato sexual sem consentimento (assédio, estupro, exposição à nudez ou à práticas de atos sexuais).
Como se libertar de relações familiares abusivas e tóxicas?
Escapar de uma situação de abuso requer muita coragem. No caso de pessoas que sofrem dentro do convívio familiar pode ser ainda mais complicado, já que muitas das violências citadas anteriormente são normalizadas. Muitas vezes, o abuso vira um ciclo sem fim e, na pressa de escapar de uma situação de vulnerabilidade, a vítima acaba entrando em outro relacionamento abusivo ou tóxico.
Primeiramente, é preciso identificar se o que você está vivendo configura um relacionamento abusivo com o seu familiar. Fique atenta aos sinais: um abuso nunca começa com a violência física e, sim, com as interações sociais que servem para minar a sua autoconfiança e autonomia e isolar você de uma rede de apoio para garantir a submissão.
Se você acredita estar sendo vítima de algum tipo de relação abusiva, acalme-se e siga os seguintes passos:
- Busque ajuda profissional: o acompanhamento psicológico vai fazer toda diferença para entender exatamente as dinâmicas da situação que você está enfrentando. Acione também as autoridades locais caso você seja vítima de algum tipo de violência doméstica.
- Imponha limites, entendendo que você não precisa da aprovação da família e que você é um indivíduo que existe para além da sua convivência familiar.
- Não tente mudar uma pessoa tóxica: essa dedicação também faz parte de um ciclo abusivo, e é geralmente através da culpa que o abusador mantém a vítima sob seu controle.
- Evite os conflitos constantes: brigas, discussões e desentendimentos, neste caso, dificilmente resolverão alguma coisa.
- Se relacione com pessoas que fazem você se sentir bem. O sentimento de isolamento pode ser muito intenso nas vítimas de relações abusivas, justamente por envolver a ausência de afeto e cuidado de quem deveria cuidar mais. Mas, lembre-se: família é quem está por perto, quem cuida da gente e se preocupa com o nosso bem-estar.
- E, se for possível, afaste-se permanentemente de quem te faz mal. Uma das muitas razões pelas quais as pessoas perduram em ambientes tóxicos e relacionamentos abusivos é a falta de autonomia financeira: sem ter dinheiro e recursos para sobreviver fora dela, como é que vamos pensar em fugir de uma situação de abuso?
O Disque 100 recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos relacionadas aos seguintes grupos e/ou temas: crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência. Se você, ou alguém que você conhece e ama, está passando pelos mesmos problemas, não hesite em denunciar.