Loiro pivete: a tendência das periferias
- 14 de janeiro de 2021
- 14:10
- Luana Queiroz
Ele já foi símbolo dos pagodeiros dos anos 2000, esteve no visual de grandes jogadores de futebol, mas é na cabeça de meninos periféricos que o loiro pivete é marca registrada. A busca por cabelos loiríssimos, que costuma acontecer nas comunidades no fim de ano, antes do Ano Novo, tem se expandido para outros momentos do ano, e mais, para outros núcleos sociais.
Uma forte representação de liberdade, as festividades trazem à tona a moda do loiro pivete e os meninos descolorem seus cabelos em casa, com a ajuda de algum amigo, familiar ou sozinhos.
Caio Cesar, conferente e morador do Jardim Helena, zona leste de São Paulo, encara o ato de descolorir o cabelo como uma prática comum do lugar onde vive: “desde uns anos atrás eu via alguns amigos pintando pra passar o fim de ano de cabelo loiro, como se fosse uma tradição do meu bairro e eu me inspirei neles e resolvi fazer no meu também no final de 2020”.
Já Daniel Avelar, músico carioca que mora em São Paulo, teve uma motivação diferente para usar, pela primeira vez, o loiro pivete: “era uma promessa pessoal. Fiz minha mudança de uma zona periférica carioca para a metrópole paulistana, em março de 2019, e prometi a mim mesmo que se conseguisse sobreviver 1 ano aqui, pintaria o cabelo. Calhou que bateu com o carnaval do ano seguinte, que juntamente com os finais de ano, são os períodos que mais vemos o loiro pivete na pista”.
E esse é um movimento identitário tão forte que, em fevereiro de 2020, houve no Museu de Arte do Rio – MAR a intervenção “Descoloração Global Pré Carnaval”. O artista responsável, Maxwell Alexandre, convidou cabeleireiros da comunidade para descolorir gratuitamente os cabelos do público, como uma afirmação de rebeldia e empoderamento.
Aliás, se você quiser se aventurar no loiro pivete, saiba Como descolorir o cabelo?.
Mesma estética, valores diferentes
Um símbolo das favelas cariocas desde os anos 1990, o loiro pivete tem se tornado moda entre os moradores de bairros nobres e trocado as lajes pelos grandes salões de beleza. Mas não é só o ambiente de confecção desse cabelo que é diferente: a forma como esses dois grupos são vistos, com seus cabelos super descoloridos, também é bem distinta.
Pedro Ferreira, publicitário e ator que nasceu e foi criado em Pirituba/SP, ao descolorir o cabelo, sentiu essa visão: “no começo é um baque pra todo mundo por ser algo diferente (eu tinha 26 anos e era a primeira vez que pintava o cabelo). Mas depois da primeira impressão, vem os comentários e é com eles que percebemos as coisas. “Ah, mas por que você pintou?” ou “Não tem medo de perder o emprego, não?”. No emprego, inclusive, foi um dos lugares que mais sofri com isso. Além dos olhares, tinham as piadas. Uma das minhas maiores questões era: por que uma menina branca, quando pinta o cabelo de loiro, fica incrível e recebe elogios e eu, um cara preto, quando faço o mesmo, recebo olhares e ouço comentários de que a diretoria não aprovou a mudança?”.
Agora, na cabeça de rapazes de classe média, o cabelo loiro pivete não tem alguns estereótipos negativos atribuídos, como o que dá nome ao tom, “pivete”. Com isso, a leitura social feita dá novos valores para o que é visto como associação à criminalidade, quando usada em corpos negros favelados.
“Algumas pessoas falavam que era cabelo de favelado, que a minha pele não combinava com o loiro”, contou Caio.
Os impactos do cabelo descolorido
Do morro para o asfalto, a distância é mais do que geográfica: nos jovens negros periféricos, ao usar a cor loiro pivete, são atribuidos estigmas sociais que restrigem, ainda mais, esse grupo, enquanto que nos jovens da elite se trata apenas de um look descolado.
“Vivi boa parte da minha infância e adolescência em Piedade, bairro do subúrbio do RJ, e sempre fui fascinado pela estética da coisa. As referências eram mais inocentes até por conta da idade e, durante todo esse período, eu não consegui pintar, pois não tinha autorização da minha mãe. E, hoje, consigo facilmente entender o porquê. Não tinha discriminação em si por parte dela, mas sim uma visão grandiosa e cuidadosa por conhecer bem o local aonde estava criando seu filho e o que o mesmo poderia oferecer, tanto de bom quanto de ruim. Por isso, havia alguns certos cuidados, receios e limites mesmo. E toda essa experiência foi me mostrando da forma mais sem massagem possível que não existe mística nenhuma de final de ano, que se trata da liberdade de corpos que são reféns durante toda a vida”, relatou Daniel.
Por mais que seja um visual que diversas camadas sociais possam ter, não se deve esquecer e deixar de refletir de que a forma como essas pessoas são tratadas diante da descoloração dos fios não é igual. Para uns vai ser apenas estilo, para outros preconceito.
Para Pedro, o loiro pivete é um movimento que precisa ter seu valor exaltado: “hoje em dia, entendo melhor o movimento do loiro pivete e respeito demais, pintar o cabelo simboliza um ato de honra pra mim. Apesar de não ser morador da comunidade, minha pele preta também é alvo onde quer que eu esteja. Ser mais um preto que ocupa esse espaço é satisfatório demais pra mim. Eu respondo olhares com olhares. Um olhar de repreensão é respondido com um olhar de orgulho. Sou mais um preto que as pessoas estão vendo de cabelo pintado, elas gostem ou não. Inclusive, por conta disso, tenho pintado meu cabelo em outras épocas do ano também”.
E se ainda faltam argumentos para que você, menino preto, use o loiro pivete, saiba que, para Daniel, descolorir o cabelo é “uma junção de liberdade com afronta na medida certa e com uma pitada de ‘neguinho, olha pra cima que tu vale ouro, igual teu cabelo!’”.