5 mulheres pretas que mudaram o mundo (para melhor)
- 7 de janeiro de 2022
- 09:28
- Talitha Benjamin
Em uma sociedade marcada pelo racismo e machismo estrutural, ser uma mulher negra é difícil. Mesmo formando 28% da população brasileira, as mulheres negras fazem parte da base da sociedade em todos os aspectos: ganham menos do que todos os outros grupos sociais, são minoria na política, na mídia, na comunicação, na ciência, nas artes e outras áreas.
Apesar disto, muitas desafiaram as estatísticas para contribuir para os avanços nas mais diversas áreas do conhecimento, e apesar de terem suas trajetórias apagadas pelo preconceito presente em todas as instituições que insistem em minimizar seus papéis na história do Brasil, é inegável que sem o esforço e o trabalho (muitas vezes, não reconhecido e não remunerado) deste grupo, a nossa história fosse bem diferente.
Para honrar a memória, o legado e o esforço das pretas de todo o país, separamos 5 figuras femininas inspiradoras que mudaram o mundo para melhor. Veja abaixo:
Carolina Maria de Jesus — escritora
Carolina Maria de Jesus estudou pouco, o suficiente para aprender a ler e escrever, e se tornar uma das primeiras autoras negras de destaque, e uma das maiores escritoras do Brasil. Nascida em 1914 em Minas Gerais, viveu a maior parte da sua vida na favela do Canindé, em São Paulo, onde sustentava seus filhos catando papel e outros materiais recicláveis. Enquanto trabalhava como catadora, Carolina registrava seu cotidiano por meio da escrita, usando materiais que recolhia no lixo.
Um desses diários deu origem à sua obra mais emblemática, o livro Quarto de Despejo. Nele, Carolina descreve a angústia, sofrimento, dor e, em especial, a fome, realidade vivida pelos moradores das recém-formadas favelas de São Paulo, naquela época. Atualmente, os escritos de Carolina são considerados importantes obras da literatura brasileira, exigida nos vestibulares das maiores universidades públicas do país. Em 2021, a Universidade Federal do Rio de Janeiro concedeu o título de “Doutora Honoris Causa” à escritora.
Marta Vieira da Silva — atleta
Considerada a melhor jogadora de futebol de todos os tempos, Marta demonstrava ser talentosa com os pés desde pequena. Apesar de ter sido cortada dos times da escola para não intimidar os meninos, e de sofrer com a falta de investimento nos times em que atuou, Marta estreou na seleção brasileira com apenas 17 anos, e ao longo dos anos, foi fazendo história com a equipe feminina, vencendo o bi e o tricampeonato nos Jogos Pan-Americanos (em 2007 e 2015); duas vitórias na Copa América (em 2010 e 2018) e a Copa do Mundo feminina em 2007, além de duas medalhas de prata conquistadas nos jogos Olímpicos de Atenas em 2004, e em Pequim em 2008.
Marta também atuou em diversos times internacionais, como os suecos Umeå IK, Tyresö FF e FC Rosengard e nos estadunidenses Los Angeles Sol, FC Gold Pride, e atualmente joga pelo Orlando Pride. A jogadora brasileira foi nomeada a melhor jogadora do mundo pela FIFA por seis vezes, sendo as 5 primeiras consecutivas. Nascida em Dois Riachos, interior de Alagoas, em uma família pobre, Marta é embaixadora da ONU Mulheres, advoga contra o preconceito de gênero, e a desigualdade salarial e de investimentos que dificulta a ascensão das atletas femininas, e é inspiração para meninas brasileiras que sonham em viver do esporte.
Elza Soares — cantora e compositora
Nascida na favela Moça Bonita, no Rio de Janeiro, Elza Soares já era viúva, mãe de 5 filhos aos 21 anos e sonhava em ser cantora. Seu primeiro trabalho musical foi em 1953, com uma participação histórica em um programa de rádio. Os primeiros anos na indústria foram marcados pelo racismo, que minavam as oportunidades da cantora negra nas gravadoras, programas de rádios e clubes. No entanto, seu talento inegável logo a transformou em uma das principais estrelas da música brasileira, ganhando notoriedade dentro e fora do país.
Elza passou por diversos eventos traumáticos ao longo de sua vida: perdeu quatro dos oito filhos que teve, sofreu um acidente que até hoje a impossibilita de apresentar-se de pé, além de ser vítima de violência doméstica enquanto era casada com o jogador de futebol Garrincha. A cantora esteve sempre sob o olhar intenso e cruel da imprensa e do público da época por conta do relacionamento conturbado com o companheiro, a quem foi acusada de causar sua ruína. Elza também foi perseguida pela ditadura militar e precisou se exilar na Itália. Uma mulher a frente de seu tempo, a personalidade forte e as letras que tratavam sobre feminismo e negritude de Elza a tornaram uma das mais importantes artistas da América Latina, e em 1999, foi eleita a cantora do milênio pela rádio BBC, e uma das 100 maiores vozes da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil.
Erika Hilton — vereadora e ativista
Nascida em Franco da Rocha, Erika Hilton é uma ativista antirracista e LGBTQIA+. Forçada a frequentar a igreja evangélica para “curar o mal” que era a sua identidade de gênero, sofreu uma série de violências e opressões por se identificar como mulher. Expulsa de casa, Erika encontrou refúgio com as travestis nas esquinas de Francisco Morato, e então, entrou para a prostituição. Após 6 anos, foi “resgatada” pela mãe, que a ajudou a terminar os estudos. Foi no movimento estudantil que Erika descobriu sua vocação para a política, e passou a ser uma das principais ativistas pelo direito dos negros e das pessoas LGBTQIA+, principalmente, os transexuais e as travestis.
Membra da Bancada Ativista, o primeiro mandato coletivo da Assembleia Legislativa de São Paulo, Erika concorreu à vereança em 2020, e entrou para a história ao se tornar a primeira mulher trans na Câmara Municipal de São Paulo, eleita com 50.508 votos, tornando-se também a vereadora mais votada do Brasil, que também é o país que mais mata travestis e transsexuais no mundo. Erika é uma das principais vozes do movimento LGBTQIA+ do Brasil e do mundo, posicionando-se sempre contra o fascismo e à violação de direitos humanos.
Maria Auxiliadora — pintora e artista
Nascida em 1935, filha de artistas autodidatas e militantes negros, Maria Auxiliadora foi uma pintora quase invisível, pouco lembrada quando falamos de artistas plásticos brasileiros. Aos 12 anos, precisou largar os estudos para trabalhar como bordadeira e empregada doméstica, mas pintava nas horas vagas. Sem conhecimentos das técnicas acadêmicas de arte, Maria desenvolveu sua própria técnica, um estilo único que juntava tinta a óleo, massa plástica e mechas do seu próprio cabelo para retratar o cotidiano e cultura dos seus familiares e amigos: o samba, a capoeira, as relações de intimidade e afeto, o candomblé e os orixás marcam as obras da artista.
Considerada pela crítica da época como “primitiva”, foi apenas recentemente que Maria Auxiliadora teve sua qualidade reconhecida pelo MASP (Museu de Arte de São Paulo), uma artista com um olhar sensível e inovador para a sociedade da época, um dos maiores nomes do século 20.