Você sabe o que é amor romântico?
- 31 de março de 2023
- 12:16
- Talitha Benjamin
O que vem na sua cabeça quando falamos de romance? Um casal, um jantar à luz de velas, beijos apaixonantes e todas essas cenas que estamos acostumados a ver no cinema, na televisão, nos anúncios… Enfim, por todo lugar. Somos uma sociedade obcecada por amor, mais especificamente, em achar um par ideal, com quem viveremos todos os cenários clichês possíveis, e um “felizes para sempre” — o famoso romance. Mas o que chamamos de amor romântico, ao contrário do que se pensa, não dá para ser resumido apenas em um relacionamento a dois, ou em uma emoção, e muito menos pelo que observamos na mídia.
Ser uma pessoa romântica, com diversos ideais sobre amor e o relacionamento perfeito pode parecer algo inofensivo, mas há de se pensar que muitos desses ideais são focados em um amor que não é tão inclusivo assim, e pode até ser problemático. Convidamos você para fazer algumas reflexões: o amor romântico é inclusivo, benéfico, ou está perpetuando opressões e ideais que ficaram no passado?
Afinal, o que é “amor romântico”?
A sensação que dá ao falar “amor romântico” é uma redundância, afinal, romance não é amor, e amor não é romance? Mas se analisarmos bem a história da humanidade, veremos que não é bem assim. Na Roma e Grécia Antiga, apesar de terem o amor idealizado na arte e literatura, ele não era exatamente um aspecto tão importante na vida das pessoas: o casamento e, consequentemente, a formação de famílias, eram motivados pela política e economia, e o amor era um sentimento perigoso que poderia desvirtuar as pessoas do seu papel social.
O conceito que temos hoje de amor romântico surgiu na Idade Média, na literatura e na cultura europeia. O “amor cortês”, como era chamado, enfatizava a devoção, admiração e reverência por uma mulher que era nobre e inalcançável. Diversas formas de expressões artísticas, incluindo o Romantismo, “cantavam” esse ideal, e falavam sobre um amor puro e transcendental, que inspirava um amante a ser alguém melhor. No entanto, assim como na Antiguidade, esse conceito não se traduzia nas formações de relacionamentos da realidade.
E foi assim que o Romantismo trouxe à tona um movimento que rejeitava as ideias de racionalidade do Iluminismo, que tinha ênfase nas emoções humanas, no individualismo, na imaginação, na natureza e na transcendência. Inclusive, até hoje, podemos ver essa influência em todos as expressões artísticas possíveis: dos livros de literatura clássica falando de amores que terminam com um “felizes para sempre”, passando por décadas de canções que narram os mesmos dilemas amorosos de sempre, às comédias românticas mais modernas, cujos problemas conjugais sempre se resolvem ao rolar dos créditos.
Qual é o problema em acreditar em um amor romântico?
Historicamente, vemos que o amor romântico é, na realidade, bem diferente do que acontece na realidade, quase como se o romantismo tivesse dificuldades para florescer devido à complexidade da sociedade humana. Se o romantismo é o oposto da racionalidade, será que é possível encaixá-lo no mundo concreto? Se você já se apaixonou antes, sabe que relacionamentos envolvem muito mais do que um só sentimento, envolve emoções intensas, atração física, idealização, e muitos outros aspectos.
A problemática do amor romântico, está, justamente, na dificuldade em se traduzir em concretização. Para começar, como podemos falar de um amor que é formado por devoção e admiração se, historicamente, somos uma sociedade construída na opressão de gênero e raça? É inegável que normas e expectativas culturais que cercam as relações românticas são influenciadas por papéis e estereótipos de gênero e raciais, reforçando a dinâmica de poder que inferioriza grupos oprimidos.
O amor romântico reforça a desigualdade de gênero quando:
- Espera que homens tenham a atitude de buscar mulheres primeiro, enquanto espera que mulheres sejam sempre passivas e receptivas, reforçando o estereótipo de que mulheres devem ser submissas, e os homens, dominantes.
- Reforça a existência do Príncipe Encantado, ou, aquele homem que vai “salvar” a mulher. Isso reforça o estereótipo de que homens devem ser sempre os protetores e provedores, enquanto mulheres devem ser dependentes e frágeis.
- Obriga as mulheres a se manterem em um padrão de beleza específico para parecerem mais desejáveis ao olhar masculino, enquanto homens serão julgados pelo seu dinheiro e status. Isso reforça a ideia de que mulheres devem ser julgadas pela sua aparência, enquanto homens só terão valor caso tenham dinheiro e outros bens materiais.
- Prioriza a monogamia, a heterossexualidade e a binaridade de gênero como as únicas realidades possíveis de se praticar o amor, e estigmatiza qualquer configuração que fuja desses parâmetros, como relações não-monogâmicas, poliamor ou relações entre pessoas não-binárias ou pessoas do mesmo sexo.
- Transfere toda a responsabilidade do trabalho afetivo para as mulheres, esperando que elas ofereçam apoio emocional, ouvindo os problemas do parceiro e cuidando do lar e dos filhos, reforçando a ideia de que mulheres são mais emocionais (portanto, inferiores), enquanto homens são mais racionais (e superiores às mulheres).
Não é apenas na questão da igualdade de gênero que o amor romântico toca. O amor romântico reforça o racismo quando:
- Coloca pessoas negras como “diferentes” das brancas, frequentemente reduzindo-as a um objeto de fetiche sexual, e não como uma pessoa digna de afeto ou romance.
- Espera que pessoas negras se comportem em um relacionamento de acordo com estereótipos falsos de raça, como sendo excessivamente agressivas, ou estarem sempre disponíveis sexualmente.
- Implica que grupos étnicos e raciais só podem se relacionar com pessoas da mesma raça ou etnia, já que só eles “se entendem”, e estigmatiza casais interraciais.
- Coloca apenas casais brancos no audiovisual e em anúncios, apagando pessoas não-brancas do imaginário popular, e reforçando a ideia de que não são dignas de amor e afeto.
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Os números da violência contra a mulher no Brasil são um grande exemplo: dados coletados pela Rede de Observatórios da Segurança mostra que, em 75% dos casos de feminicídio, o agressor era o marido, namorado ou ex-parceiro da vítima. Já outra pesquisa, com dados levantados pelo Instituto Igarapé nos Sistemas Único de Saúde (SUS), aponta que 7 em cada 10 vítimas de feminicídio são mulheres negras.
É preciso acabar com o amor romântico?
É importante ressaltar que o amor romântico, em si, não é ruim. Essa experiência humana tão extraordinária, que chamamos de amor, é um complexo conjunto de sensações físicas e emocionais, que nos toca em um desejo profundo por proximidade e intimidade que existe em todos nós. Ele pode, sim, ser uma experiência satisfatória para muitas pessoas.
No entanto, normas prejudiciais da sociedade que perpetuam a opressão de gênero e raça, podem, sim, interferir nas relações românticas, e transformarem o vínculo em algo profundamente tóxico, e muitas vezes, mortal. Portanto, falar sobre amor romântico, precisa, primeiramente, partir de um desejo de desafiar e desconstruir essas expectativas e “regras” prejudiciais.
A resposta está, como sempre, na educação e no conhecimento, no incentivo ao respeito e a comunicação, e é claro, na priorização da diversidade e da inclusão. Ao aprendermos mais sobre onde erramos, promovendo atitudes melhores, e chamando quem está de fora para participar da conversa, conseguimos desafiar ideais negativos que nos ensinam erroneamente o que é amar.