A cultura do estupro existe? Entenda tudo sobre esse assunto

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  • Tayla Pinotti
 Cultura do estupro

60 mil. Esse é o número de estupros registrados no Brasil no ano de 2017, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que calcula que aconteçam, em média, 164 casos por dia.

Se esses dados parecem assustadores, é ainda mais aterrorizante saber que a taxa de subnotificação desse crime é altíssima – estima-se que menos de 10% dos estupros sejam comunicados à polícia.

A culpabilização da vítima, o sentimento de vergonha, a quase certa impunidade contra o criminoso e a coerção contra a vítima são os principais motivos que levam à essa subnotificação.

Não coincidentemente, todas essas razões estão relacionadas à cultura do estupro, termo usado pelo movimento feminista desde 1970, mas ainda pouco compreendido pela sociedade contemporânea.

Mas, afinal, o que é cultura do estupro? Ela realmente existe?

A palavra cultura, neste contexto, é usada para falar sobre um comportamento coletivo. Ela se refere à forma como as pessoas vivem em sociedade e quer dizer que a maneira de agir de cada indivíduo faz parte de uma cultura.

Sendo assim, o termo “cultura do estupro” tem como objetivo apontar práticas e comportamentos que silenciam ou relativizam a violência sexual contra a mulher.

Isso porque quando algo é cultural, significa que ele foi criado e que, por não ser algo natural, pode ser desconstruído.

No Brasil, os dados de crime de violência contra mulheres deixam claro que a cultura do estupro existe, sim, e está mais enraizada do que imaginamos.

E o que é considerado estupro?

De acordo com o artigo 213 do Código Penal Brasileiro (na redação dada pela Lei nº 12.015/ 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Apesar de se configurar como um crime contra a liberdade sexual, isso não quer dizer que estupro é apenas o ato sexual em si. Qualquer ação que tenha como objetivo a satisfação de alguém de forma não consensual configura abuso (como um toque nas partes íntimas, por exemplo).

Além disso, é importante lembrar que o imaginário comum por trás dessa ação não representa o que acontece de fato.

Isso porque muitas pessoas acham que o estupro acontece nas ruas, “no meio do mato” por um completo desconhecido.

É claro que essa situação, infelizmente, também ocorre, mas dados levantados pelo IPEA mostram que quase 40% dos casos de estupro são praticados por conhecidos (namorados, amigos ou pessoas da família). No caso dos estupros contra crianças, o número é ainda maior, 50% são praticados por pessoas conhecidas.

Além disso, estupradores são constantemente taxados como “doentes mentais” e monstros, mas o criminoso pode ser aquele rapaz legal que frequenta sua casa, que vai à igreja ou até aquele cara desconstruído da sua faculdade.

Isso quer dizer que esses agressores não são mentalmente desequilibrados, mas que são homens que acreditam ter algum poder sobre o corpo feminino, comportamento fruto de uma sociedade machista e cruel.

Menos de 5% dos agressores são punidos

Apesar de ser um crime extremamente desumano e que causa repúdio, os dados mostram que a situação pode ser muito favorável para os estupradores.

Um levantamento feito pela Revista IstoÉ mostrou que 97% dos casos de estupro no Brasil não resultam em condenação.

Em 2017, o Fantástico apurou que dos 127 casos de assédio sexual nos trens e no metrô de São Paulo, apenas um foi considerado estupro.

Esses números mostram que a violência sexual pode ser duplamente dolorosa para as vítimas, que precisam lidar com o trauma emocional e também com essa impunidade. No fim das contas, elas são as únicas pessoas prejudicadas.

E quais são os comportamentos relacionados à cultura do estupro?

Culpabilização da vítima

“O estupro é o único crime no qual a vítima é culpada”. Essa frase se refere à culpabilização da vítima, que acontece na maioria dos casos de abuso. Um levantamento do Datafolha mostrou que um a cada três brasileiros concorda com a frase: “A mulher que usa roupas provocantes não pode reclamar se for estuprada”.

Esse pensamento se repete não só nas ruas, mas também em delegacias e até em hospitais, ambientes em que a vítima pode ser duramente questionada pela veracidade do seu depoimento. Infelizmente, para muitas pessoas ainda é difícil entender que a culpa nunca é da vítima, porque a cultura do estupro não permite que isso aconteça.

Relativização da violência contra a mulher

Além de culpar a vítima, também é muito comum que crimes de violência contra a mulher sejam relativizados, ou seja, a segurança que todo cidadão sente ao procurar autoridades quando é assaltado não existe para as mulheres vítimas de estupro.
Quando (e se) ela decide denunciar, além de não encontrar um ambiente acolhedor, ela também tem seu relato constantemente deslegitimado e ainda pode sofrer com perguntas abusivas ou até humilhantes. Mais uma vez, então, a vítima é tratada como culpada.

Objetificação da mulher

Seja em comerciais de televisão, seja no escritório da firma, a objetificação da mulher é constante. Na sociedade machista em que vivemos, a mulher é enquadrada em um papel que ela tem uma única função, que é despertar e satisfazer o desejo sexual de um homem.

Objeto é aquilo que não tem vontade própria, opinião ou personalidade, sendo apenas aquilo que ele aparenta ser e, lamentavelmente, é dessa forma que o sexo masculino enxerga o feminino. Prova disso é que muitos homens olham para mulheres (tanto conhecida quanto desconhecidas) como se elas fossem um pedaço de carne.

Educação diferente para meninos e meninas

Desde cedo meninos são ensinados a serem fortes, agressivos e garanhões, enquanto meninas devem ser delicadas, puras e virgens. Essa diferença na educação baseada por gênero também contribui para a cultura do estupro, já que homens crescem se achando dominantes quando o assunto é sexo.

Além disso, a educação sexual no Brasil é extremamente falha tanto nas escolas, quanto dentro de casa e isso faz com que crianças e adolescentes cresçam sem conhecimento sobre o próprio corpo e muito menos sobre sua sexualidade, principalmente no caso das meninas que são constantemente reprimidas pela sociedade ou até mesmo pela própria família.

Assédio sexual

Aquele “fiu fiu” ou “ô lá em casa” na rua, a aproximação proposital de homens no transporte público, aquele abraço forçado de um colega de trabalho… Todas essas abordagens são, na verdade, um atentado contra a liberdade sexual das mulheres e acontecem porque homens se sentem à vontade para “abordar” mulheres em qualquer lugar, como se tivessem algum direito sobre o corpo delas.

Apesar de desconfortável e até revoltante, muitas mulheres acabam não reagindo a esses assédios porque tem medo da reação dos homens, que podem até mesmo usar da violência, porque não sabem lidar com a rejeição. Tudo isso faz com que o assédio seja um comportamento naturalizado que contribui para a cultura do estupro.

Comentários e piadas machistas

Quando alguém diz que uma mulher não merece ser estuprada porque ela é feia, quando alguém manda um vídeo de estupro em um grupo do WhatsApp, quando alguém ouve músicas que difamam a imagem da mulher ou quando alguém faz piadas que diminuam o sexo feminino, essa pessoa está contribuindo para que a mulher seja objetificada ou menosprezada.

Ou seja, por mais que você não seja um estuprador, você também contribui para a cultura do estupro com atitudes como estas, que até podem parecer inofensivas, mas que, na verdade, não são. Por isso, é preciso ter cuidado com piadinhas e comentários do dia a dia e repudiá-los sempre que eles forem feitos. Dessa forma, é possível desconstruir, mesmo que aos poucos, comportamentos machistas.



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