O que é transfobia e porque devemos debater o assunto?
- 21 de fevereiro de 2022
- 17:22
A existência de um espectro de identidades e vivências de gênero que vão além do “homem e mulher” ainda é algo desconhecido pela maior parte da sociedade. Apesar de ser mais fácil do que nunca encontrar informações sobre a transsexualidade, a transfobia ainda é estruturalmente enraizada na sociedade: por mais que possamos enxergar um aumento nas discussões sobre direitos humanos, o preconceito, a opressão e a violência contra pessoas transgênero é naturalizada e até mesmo encorajada no Brasil.
O que significa ser “trans?
São pessoas que possuem uma identidade de gênero que não corresponde ao seu sexo biológico. Por exemplo, quem nasce homem, mas se identifica como mulher, é uma mulher trans, e vice-versa. Pessoas não-binárias também entram nessa atribuição, já que não se identificam nem como homem, nem como mulher. Se a identidade de gênero de alguém coincide com o sexo biológico atribuído ao nascer, esta pessoa será cisgênero.
A identidade de gênero é, na maioria das vezes, confundida com orientação sexual, que se refere ao gênero pelo qual uma pessoa sente atração física e afetiva. A binaridade dos papéis de homem e mulher são marcantes na nossa sociedade, baseado no sexo biológico: se você nasce com uma vagina, existem atribuições, papeis, regras e deveres impostos pela sociedade que você precisa cumprir. Não se identificar com este papel é considerado algo anormal, digno de aversão, ódio e violência. E é daí que parte a transfobia.
O que é a transfobia?
Cultural e muitas vezes disfarçada como gozação, a transfobia é todo e qualquer tipo de preconceito, opressão, discriminação e aversão a transgêneros, travestis e pessoas não-binárias, seja por piadas ou comentários maldosos, passando por atitudes violentas que envolvem agressões, tortura e a morte deste grupo de pessoas, representado pela letra T da sigla LGBTQIA+.
Ainda, as travestis também se encontram no grupo de pessoas vitimadas pela transfobia, e trata-se de uma identidade por si só: foi graças a elas que a transsexualidade passou a ser conhecida e debatida no Brasil, abrindo caminho para todos os LGBTQIA+. Apesar de originalmente carregar uma conotação pejorativa para marginalizar ainda mais pessoas que assim se identificam, atualmente corresponde a uma existência política, brasileira e latinoamericana, que aos poucos está sendo reivindicada por ativistas trans e travestis.
Historicamente, pessoas trans sofrem com a marginalização: são recusadas no mercado de trabalho, rejeitadas pelas famílias e têm seus nomes sociais e pronomes desrespeitados. São também excluídas de todas as estruturas sociais e vítimas de crimes de ódio, rotineiros no Brasil, como nos casos de Dandara dos Santos e Quelly da Silva.
Transfobia no Brasil
Dados do mundo inteiro mostram que o Brasil é o lugar mais perigoso do mundo para uma pessoa transsexual: entre outubro de 2020 e setembro de 2021, 125 travestis, homens e mulheres trans foram assassinados por conta da sua identidade de gênero, de acordo com o projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT) da ong Transgender Europe (TGEU). Este número corresponde a 33% de casos do mundo inteiro, e a maioria deles tem como vítimas mulheres trans e travestis.
A situação das pessoas trans e travestis no Brasil é dramática: a expectativa de vida deste grupo não passa dos 35 anos, cenário que se assemelha à Idade Média, época onde não havia antibióticos e nem saneamento básico. Além disso, a exclusão e a falta de aceitação por parte da sociedade leva a maior parte desta população a viver em situação de vulnerabilidade extrema: dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) aponta que 90% da população trans tem apenas a prostituição como fonte de renda, com um número significativo em situação de rua – reflexo do pouquíssimo espaço e oportunidades no mercado de trabalho.
Toda essa realidade é resultado da dificuldade em compreender e aceitar a pluralidade de vivências de gênero e a recusa em aceitar as diferenças. Isso cria na sociedade uma aversão às pessoas trans, cuja identidade é considerada uma doença, anormalidade e até mesmo indicativo de “maldade”. Qualquer existência que desafie a binaridade do homem e mulher será castigada e viverá à margem.
Inclusão e representatividade: caminhos para uma sociedade segura para todos
Nos últimos tempos, mais e mais instituições tem se dedicado a abrir espaços para a discussão dos efeitos da transfobia e a trabalhar para a construção de uma sociedade segura para pessoas trans, mas ainda existe um caminho muito grande pela frente: para a ANTRA, não há motivos para acreditar que exista uma realidade próxima para diminuir os índices preocupantes de mortes motivadas pela transfobia.
Mesmo assim, iniciativas que promovem a proteção e a inclusão da população transsexual são essenciais para a mudança do cenário, principalmente no mercado de trabalho: “Oportunidades específicas para trans e travestis são importantíssimas, pois passamos por diversas situações em contextos específicos que diminuem as nossas chances comparados às pessoas cisgêneros”, aponta Lucas, um homem trans. Para ele, não apenas vagas específicas, mas empatia de saber lidar com todas as identidades de gêneros nos espaços: “Olhando para um contexto histórico, somos sempre reprovados, e se aceitos pela empresa, não conseguimos manter o trabalho por falta de acompanhamento e preconceitos”, acrescenta. Já para Ayla, mulher trans, a base de tudo está na aceitação: “Tem que ter o respeito, aceitar que existem diferenças entre as vivências, até porque ninguém é igual a ninguém. O debate não precisa, necessariamente, apontar o dedo para julgamentos, e, sim, uma discussão aberta, com o objetivo de ensinar.”
A presença de pessoas transsexuais nos espaços e a ampliação dessas vozes para incentivar a representatividade também é essencial na construção de uma sociedade mais diversa em todas as esferas e isso depende principalmente de pessoas cisgêneros, que precisam ceder esta voz, abrir caminhos, ouvir e aprender: “Mais do que tratar pessoas trans como centro de informações, precisam ceder o espaço, divulgar a voz e apoiar o trabalho de pessoas com identidades de gênero diferentes”.