Precisamos falar sobre gordofobia
- 4 de março de 2022
- 13:28
- Thauany Lima
Disfarçada de preocupação com a saúde, a gordofobia está presente na vida de pessoas gordas de forma cruel e implacável. Muitas vezes, os apontamentos feitos sobre o corpo que está “acima do peso” vem disfarçados de comentários sem maldade, piadas sem a intenção de magoar ou até mesmo em forma de “conselhos”, mas, na verdade, são sintomas de algo muito maior: a exclusão estrutural de quem é considerado fora do peso ideal, ou seja, que não condiz com o padrão do que é considerado saudável e bonito.
O que é gordofobia?
Conforme o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, trata-se do “repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional”. Não é apenas sobre as falas que ferem profundamente a pessoa gorda, mas é um preconceito estrutural (ou seja, que está presente em todos os lugares) que leva à exclusão social, profissional e econômica da pessoa gorda, negando-lhe acessibilidade.
Apesar de formarem 57% da população brasileira, gordos ainda sofrem em um mundo feito apenas para magros: da dificuldade em usar assentos e transporte público, ou de encontrar roupas em lojas e até mesmo na hora de encontrar um leito de hospital: para exemplificar os efeitos da gordofobia, uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo Catho em 2005, realizada junto a 31 mil executivos, identificou que 65% dos presidentes e diretores de empresas tinham alguma restrição na hora de contratar pessoas gordas. A situação é ainda pior no caso das mulheres, que ainda precisam lidar com a pressão para atender ao padrão de beleza imposto pelo patriarcado.
A gordofobia existe, e ainda passa pelo campo da saúde pública: estudos científicos e médicos apontam que ser magro não é sinônimo de ser saudável, e nem ser gordo é uma sentença de doenças ou de morte: o periódico científico Nature Medicine publicou um consenso internacional pelo fim do estigma ligado ao excesso de peso.
Assinado por mais de 100 instituições ao redor do mundo, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), o documento aponta que, muito mais grave do que a falta de exercício físico ou alimentação correta, o isolamento social, o bullying e a discriminação, que são consequências da gordofobia, apresentam muito mais perigos para a população gorda, com graves efeitos em sua saúde física, psicológica e mental. Ou seja, a própria gordofobia é uma grande dificultadora do tratamento correto de pessoas acima do peso.
Como lidar com a gordofobia?
Ainda conforme o artigo da Nature Medicine, especialistas em medicina e ciência apontam que a solução para dar início ao fim da gordofobia é educar a população para deixar de encarar o excesso de peso como uma responsabilidade do indivíduo ou sinônimo de preguiça ou indisciplina. Não é só alimentação e exercício físico: genética, sono, estresse, desequilíbrio hormonal, uso de medicamentos, e até mesmo os produtores de alimentos e os políticos também têm sua parcela de responsabilidade na qualidade da alimentação e no aumento dos níveis de obesidade, na liberação de agrotóxicos que aumentam o acúmulo de gordura no organismo, como identificado pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Profissionais da saúde, universidades, escolas, instituições públicas, privadas e a própria mídia são ótimas aliadas para disseminar essas informações com o devido respeito, livre de estigmas e preconceitos, utilizando evidências científicas modernas para garantir o bem-estar e a qualidade de vida de pessoas gordas.
A inclusão precisa ser realizada em todas as esferas da sociedade, principalmente nas escolas e estabelecimentos públicos. É importantíssimo que nenhuma pessoa gorda tenha seu acesso, sua dignidade e seu bem-estar comprometidos por conta do que a balança aponta: afinal, o corpo gordo é capaz!
Como funciona o debate sobre a gordofobia no Brasil?
Além de um problema de saúde pública, a gordofobia no Brasil também é marcada pelo culto ao padrão de beleza, acentuada pelas redes sociais: os efeitos negativos da exclusão de pessoas gordas (como não conseguir encontrar roupas do tamanho certo, ou ser rejeitada romanticamente, por exemplo) são constantemente usados nos discursos de marketing da indústria das dietas de emagrecimento e dos procedimentos estéticos e cirúrgicos para emagrecer. Não à toa, o Brasil é líder no ranking de cirurgias plásticas, com a abdominoplastia e lipoaspiração sendo dois dos procedimentos mais realizados.
Para reverter essa narrativa, é essencial que deixemos de lado a necessidade de atender aos padrões inalcançáveis estabelecidos para nos sentirmos bonitas e realizadas: o movimento feminista e o body positive (positividade corporal) são os que mais se posicionam contra a gordofobia, já que são as mulheres as que mais sofrem com a pressão de terem um corpo padrão para atender aos desejos masculinos criados pelo patriarcado.
A norma social da sociedade brasileira é associar o valor do ser humano à beleza física, logo, ao corpo magro, por isso, é extremamente raro encontrar pessoas satisfeitas com a sua imagem corporal, mesmo as que atendem ao “padrão” estabelecido. É fundamental, então, quebrar a narrativa da gordofobia de que ser saudável e bonito é ser magro, e investir cada vez mais na inclusão e na aceitação dos corpos gordos em todos os lugares.
Quais são as frases gordofóbicas para tirar do seu vocabulário?
Algumas frases e ações podem descrever perfeitamente como a gordofobia faz parte da rotina das pessoas. Até o próprio ato de diminuir a condição física da pessoa gorda com adjetivos como “fofinha”, “cheinha” ou “gordinha” já configura um preconceito, pois denuncia a necessidade de “atenuar” a característica. Veja outras frases e termos gordofóbicos para abolir do seu dia a dia:
Usar “gordice” como adjetivo
Você já deve ter ouvido falar no termo “gordice” para referir-se ao ato de exagerar na comida ou de comer mal, de forma pejorativa: “dia de gordice” ou “cabeça de gordo” são frases que usam a pessoa gorda como sinônimo para comer mal e de forma exagerada. Isso apenas corrobora a ideia de que o excesso de peso se deve a uma má alimentação, reforçando estereótipos negativos, quando, na verdade, é um problema de saúde multifatorial.
Achar que “gordo” é algo ruim
A maioria das pessoas costuma automaticamente considerar o “ser gordo” com algo ruim: ouvir coisas como “você não é gorda, você é linda!” ou “você é bonita de rosto” é algo corriqueiro para pessoas gordas. Isto, na verdade, também reforça o senso-comum de que elas não são bonitas, quando, na verdade, a beleza não é sinônimo de magreza.
Associar ganho de peso com desleixo e falta de saúde
É comum ouvir frases como “fulano engordou, precisa cuidar da saúde”, como se estar magro significasse auto-cuidado e boa forma. Na verdade, ser magro nada tem a ver com ser saudável: uma pesquisa recente constatou que crianças com excesso de peso se alimentam melhor do que crianças magras, já que a preocupação dos pais para criar uma dieta balanceada é maior. A gordofobia, na maioria das vezes, se mascara como “preocupação” com a saúde para justificar o incômodo com a imagem da pessoa gorda, quando na realidade, gordos também podem ser saudáveis e ativos.
E mais: associar perda de peso como uma conquista
Perder peso é uma escolha que, muitas das vezes, é altamente influenciada pela gordofobia. Claro que pessoas que se esforçam para perder peso devem ser parabenizadas, mas ao tratarmos isso como conquista, reforça-se o estereótipo de que gordos não perdem peso por falta de foco e disciplina, e até mesmo incentiva o aparecimento de distúrbios alimentares, como a anorexia e a bulimia, consequências da vontade de emagrecer a todo custo e que podem matar. A realidade é que cada organismo age de uma forma diferente, e a oscilação de gordura corporal é influenciada por diversos fatores que não é só disciplina na alimentação e na atividade física.