Mulheres que Inspiram: conheça Ana Paula Xongani, negra, mãe e empreendedora
- 1 de maio de 2019
- 09:38
- Salon Line
Se ser mulher negra no Brasil já é difícil, ser essas duas coisas, mãe e empreendedora pode ser ainda mais complicado.
Neste “mulheres que inspiram”, vamos conhecer a história de Ana Paula Xongani, brasileira de 31 anos que tem uma filhinha de 4 anos, é digital influencer e fundadora da marca Xongani, que comercializa roupas e acessórios com foco na moda afro-brasileira.
Batemos um papo sobre infância, adolescência, afroempreendedorismo e influência digital. Confira abaixo tudo que rolou e inspire-se nessa mulher empreendedora, mãe e guerreira.
Infância
Como foi sua criação materna e paterna?
Meus pais sempre me criaram com muito apoio, afeto e cuidado. Sempre estiveram atentos em promover a minha autoestima. Uma criação ativista também. Meus pais sempre foram ativistas, meus avós também. Então, foi uma criação lúdica sim, mas ao mesmo tempo de muita consciência social e política.
Como sua família trabalhava sua autoestima na infância?
Eles sempre cuidaram para que eu aprendesse a gostar de mim, a despeito do que a estrutura social que a gente vive estabelece como padrão. Sempre cuidaram para que eu tivesse, do meu jeito, com a pele que habito, com o cabelo que tenho, as coisas que todas as crianças desejam. Eles me enfeitavam, criavam minhas roupas, faziam penteados e brincadeiras criando um universo de beleza preta com muita criatividade, driblando as limitações estéticas padronizadas.
Adolescência
Quais eram seus sonhos na adolescência?
Eu sempre quis ser apresentadora. Quando era criança, tinha meu próprio programa de rádio que fazia com um gravador que tinha em casa. Acredito até que o canal foi uma realização neste sentido. Criei um canal para ser apresentadora das minhas próprias histórias e narrativas, para contar as coisas que eu queria dizer. E agora, com o programa que vai estrear no GNT, sigo na construção e realização deste sonho que tenho desde sempre.
Como você lidava com a consciência de classe e luta racial na adolescência?
Como disse acima, meus pais são ativistas. Então, na minha adolescência não foi diferente. Eu sempre soube ser preta num país estruturalmente racista. Meu lugar de vivência e observação das relações entre as pessoas sempre foi a partir de um lugar de consciência racial.
Maternidade
Com quantos anos você foi mãe?
Fui mãe aos 26 anos. Uma gravidez bastante planejada por mim e pelo meu companheiro.
Como você trabalha a questão racial em casa? Como procura educar sua filha em um mundo racista e machista?
A autoestima é um aprendizado, tanto quanto a linguagem ou a escrita e, assim como os demais, esses saberes começam a ser desenvolvidos na infância. Por isso, sentimentos e comportamentos relacionados à autoestima, como o amor próprio e o autocuidado, devem ser ensinados e aprendidos desde cedo. É na infância que construímos nossas principais referências do que é belo, saudável e aceitável e é incentivando estas referências positivas e potentes do que é ser negra que eu crio a minha filha, junto com as pessoas que dividem comigo essa responsabilidade.
Como você consegue conciliar carreira e família?
Abrindo mão da ideia de que nós, mulheres, temos super poderes. Abdico a ideia de que sou ou devo ser uma “super mãe”, uma “super mulher”. Entendo e aceito que não preciso e nem tenho que fazer tudo sozinha. Eu divido responsabilidades com meu companheiro, meus pais, meus amigos e as pessoas que trabalham comigo. Somos uma grande rede que se apoia no dia a dia. Não me sinto obrigada a fazer tudo, meu companheiro também não.
Empreendedorismo
Quando se tornou empreendedora?
Me tornei empreendedora na Xongani aos 20 anos de idade, junto com minha mãe. Mas sou empreendedora desde os sete, rs. Vendia pulseiras que eu mesma fazia desde essa idade. E fazia com tudo, com fiozinhos de telefone, com miçangas, tudo.
Qual a missão da sua empresa?
A missão da Xongani é que que, a partir da moda afro-brasileira, cada pessoa, cada mulher negra, encontre sua autoestima e, consequentemente, suas maiores potencialidades.
Quais são os principais desafios como afroempreendedora no Brasil?
Primeiro de tudo, ser respeitada como empreendedora, empresária e ser ouvida como tal. A forma como uma mulher preta empreendedora é tratada institucionalmente é a grande raiz destes desafios. O acesso ao crédito muito dificultado pelo racismo estrutural, por exemplo, faz nossos passos serem mais lentos em nossa trajetória empreendedora. A gente tem um caminho mais longo para atingir toda nossa potencialidade para empreender.
Qual dica você daria para as mulheres negras que desejam empreender neste país?
Antes de qualquer coisa, que elas acreditem que são potentes. Porque não somos tolhidas de acreditar nas nossas expertises, naquilo que queremos e podemos fazer.
Depois, de forma mais prática, que se preparem, estudem (presencialmente ou à distância, por meio de e-learnings), o que for possível, sobre empreendedorismo, fluxo de caixa, plano de negócio, inovação, ferramentas digitais e comunicação. Conhecer cursos de instituições voltadas para o empreendedorismo, como o Sebrae, por exemplo, é importante.
Influenciadora digital
Quais mensagens você procura passar para quem consome seus conteúdos?
Proponho conversas gostosinhas pra falar com leveza e responsabilidade sobre temas importantes e urgentes para que todo mundo construa junto um mundo mais justo e acolhedor para todas as pessoas, especialmente para as mulheres pretas.
Qual a principal missão do seu canal?
Promover um “ativismo afetivo”, como costumo dizer. Existem muitas formas de promover debates em torno das causas que acredito e acho que todas estas formas compõem pontos de vistas diferentes e necessários e eu respeito a diferença e pluralidade da abordagem destas causas. No entanto, a forma que escolhi falar sobre as coisas que abordo é a partir da fala e escuta afetivas e acolhedoras. Acredito muito que o problema não é não saber, mas não querer mudar. E acredito que o diálogo é um caminho importante para estas mudanças, entendendo o lugar de quem ainda está passando por processos de aprender, desaprender e reaprender.
Qual o seu maior sonho para o futuro?
No que diz respeito à influência digital, que ela seja um espaço de representação e pluralidade real, com impacto efetivo nas mudanças que queremos para a sociedade. Na verdade, é isso que eu desejo para a sociedade mesmo, que todos os espaços sejam ocupados de forma proporcional e plural, respeitando a diversidade que temos enquanto povo.