Baby blues e depressão pós-parto: quando a tristeza pós-parto não é normal
- 13 de setembro de 2022
- 13:48
- Talitha Benjamin
Sabemos que a saúde mental é algo extremamente importante, mas para as mães, esse aspecto é ainda mais essencial. O surgimento de uma nova vida é transformador para todos que a cercam, mais ainda para a mãe. Entre a descoberta, a gestação e o nascimento, as alterações hormonais e emocionais podem ser avassaladoras. A tristeza pós-parto é comum e fisiológica: é grande o número de mulheres que se queixam de irritabilidade, melancolia, desânimo e apatia depois do parto. O baby blues, como foi apelidada por profissionais da saúde, é comum e passageiro, mas e quando essas transformações de humor se tornam algo mais sério e crônico?
O momento delicado do puerpério pode evoluir para a depressão pós-parto, uma condição multifatorial cada vez mais comum em mulheres que recentemente deram à luz. Apesar de números alarmantes e graves para a saúde da mãe e do bebê, receber o diagnóstico e tratamento adequado pode ser bem complicado para a maioria das mães acometidas pela situação.
A seguir, analisamos mais profundamente a depressão pós-parto e baby blues, seus perigos para o bem-estar da mulher e do recém-nascido, e também como identificar e como formar uma rede de apoio efetiva para tornar a maternidade mais tranquila e acolhedora para ambos.
O que é baby blues ou blue puerperal?
Emoções à flor da pele são esperadas no puerpério: até que o corpo e o cérebro da mulher voltem às condições anteriores à gestação, o baby blues acomete cerca de 50% das mães. Sentimentos como tristeza repentina, crises de choro, irritabilidade, ansiedade, insônia e mudanças bruscas de humor fazem parte da instabilidade emocional causada por alterações hormonais da mulher.
O baby blues costuma surgir cerca de 3 dias após o parto, e dura em média duas semanas. Essa condição não se trata de um transtorno grave além do esperado, por isso, não tem tratamento. No entanto, a Organização Mundial da Saúde e outros órgãos dedicados à saúde ginecológica alertam para a possibilidade de que evolua para algo mais grave — a depressão pós-parto.
O que é a depressão pós-parto?
Muitas vezes mal-diagnosticada ou simplesmente ignorada, a depressão pós-parto é um transtorno mental que acomete mães que acabaram de parir. Ela é caracterizada por um episódio depressivo longo, desencadeado após o nascimento, que pode incluir sintomas como tristeza, apatia, baixa autoestima, cansaço excessivo, alterações no sono (insônia ou cansaço excessivo), entre outros. A depressão pós-parto, segundo o Instituto Fernandes Figueiras, da Fundação Oswaldo Cruz, acomete 10% das gestantes ao redor do mundo. No Brasil, este número é ainda maior do que a média para países de baixa renda: mais de uma em cada quatro mulheres apresentam sintomas de depressão entre o 6º e o 18º mês após o nascimento do bebê.
De acordo com o Dr. Carlos Moraes, ginecologista e obstetra pela Santa Casa de São Paulo, o transtorno é mais acentuado em mães que já possuem problemas de saúde mental: “Pacientes que já apresentam histórico de depressão e que não acompanham durante a gestação, têm a tendência de ter estes transtornos evoluídos para a depressão pós-parto”, alerta.
Ainda segundo o Instituto Fernandes Figueiras, o olhar da sociedade sobre este problema é importantíssimo, já que este transtorno acomete as mães em um momento crítico do desenvolvimento infantil, o estabelecimento dos padrões parentais e formação do vínculo. No entanto, o diagnóstico desse transtorno e o seu tratamento ainda passam por dificuldades, principalmente por conta da falta de compreensão e acolhimento que as mães enfrentam neste período difícil.
Baby blues e depressão pós-parto: entenda a diferença
A principal diferença entre o baby blues e a depressão pós-parto é a fisiologia: o baby blues é um estado mental de fragilidade e instabilidade emocional totalmente esperado, um efeito colateral do organismo tentando se adaptar à nova realidade, tanto que acomete a maioria das mulheres, mas se estabiliza em poucas semanas. Já a depressão pós-parto trata-se de um transtorno mais delicado e complexo, que tem a ver, principalmente, com a dificuldade da mulher em se adaptar à sua nova realidade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, alguns fatores servem como alerta para o desencadeamento de um episódio depressivo em mães que acabaram de dar à luz: a grande expectativa da sociedade sobre a mulher, a dificuldade em se adaptar à realidade da maternidade, e a falta de rede de apoio — tanto no âmbito familiar, pessoal ou profissional — são cruciais para a saúde mental, já que a depressão pós-parto é predominante em mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O Dr. Carlos Moraes ainda acrescenta que a falta do olhar para a saúde mental da gestante, para tratar transtornos pré-existentes, também podem desencadear em uma depressão pós-parto.
Como é viver com a depressão pós-parto
Para Anônima, de 40 anos, a noção de que o que vivia não era comum e que era necessário buscar ajuda veio nos primeiros meses do nascimento, quando a exaustão e a insônia culminaram em pensamentos destrutivos e suicidas: “Em um determinado dia tiveram que me afastar da bebê”, relembra: “Eu não conseguia amamentar e ela não conseguia se alimentar, provavelmente sentia meu estado péssimo e espelhava isso desesperadamente. Ela não parava de chorar”.
Anônima, que já passou 20 anos lutando contra o transtorno de personalidade borderline, controlado apenas há 5 anos, identificou a depressão pós-parto rapidamente: “Sentia ansiedade, angústia, exaustão e nervosismo por acreditar que meu cérebro, antes tão ativo e rápido, estava me deixando na mão. Comecei a perder interesse em tudo o que eu amava antes e em mim mesma”, relata. Ela ainda acrescenta que, mesmo em tratamento e com a sua filha já atingindo mais de 1 ano de vida, a questão da individualidade ainda é um problema: “Dizem ser algo comum, algumas coisas deixarem de fazer sentido, mas no caso de uma depressão, esse questionamento vai um pouco além e cria redemoinhos na cabeça quase impossíveis de saírem sozinhos”, conta.
As mudanças na rotina e na vida da mulher que acaba de dar à luz, motivadas pelo seu novo papel social de mãe, também são determinantes para dificultar ainda mais um estado que já é naturalmente de vulnerabilidade: “Perdi a rede de apoio, perdi clientes e a estabilidade financeira, o relacionamento com o marido piorou e nos afastamos, tudo isso foi gerando uma sensação de prisão”. As consequências da depressão pós-parto, assim como a OMS alerta, além da deterioração da saúde mental da mãe, também podem interferir na saúde física do bebê e até mesmo prejudicar o desenvolvimento infantil: “Por mais que eu olhe minha filha e saiba que a amo e realmente sacrifico qualquer coisa nesse momento por ela, esse sacrifício da minha própria existência, do meu tempo, da minha vida, ainda estão doendo”, desabafa Anônima.
A importância da rede de apoio: mães também precisam de cuidado!
Nas palavras do provérbio nigeriano: “é preciso uma vila para criar uma criança”, o consenso médico e social é de que nenhuma mãe cria o filho sozinha — ou pelo menos, não deveria. A rede de apoio é crucial para os primeiros dias do nascimento de uma nova vida, e a sua ausência têm gravíssimos efeitos no bem-estar do bebê, que precisa de uma mãe saudável, descansada e feliz para crescer e se desenvolver bem. No entanto, esse provérbio parece até uma utopia, quando falamos sobre a realidade das mães de recém-nascidos.
Anônima destaca a importância do acolhimento amplo da sociedade para as necessidades da mulher que também é mãe: “Participo de grupos virtuais de acolhimento para mães e são muito importantes para mim. Antes, eu sozinha poderia arriscar e peitar o mundo todo. Hoje, se me atirar em qualquer risco, sem pensar, posso prejudicar minha filha, até na decisão de atender em urgência um projeto ou não”, exemplifica.
Segundo a psicóloga e mestra em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência pela Faculdade de Medicina da UFMG, Gabriela Nazário, a rede de apoio é o principal cuidado com a mãe puérpera, e a principal prevenção contra a depressão pós-parto. Amigos e familiares próximos têm um papel fundamental nessa fase: oferecer acolhimento, compreensão e ajuda para que a mãe não se sinta sozinha e sobrecarregada, e consiga digerir e processar melhor seu novo papel e sua nova rotina é de extrema importância. Esse apoio inclui desde o auxílio com tarefas domésticas e cuidados com o bebê, até mesmo um ouvido sem julgamentos.
Para Anônima, este tipo de tratamento faz toda a diferença: “As mães são esquecidas, ficam fragilizadas. Familiares, outros cuidadores e amigos precisam realmente acolher uma nova mãe, entender que o universo novo que se forma ao redor do bebê permanecerá assim por um tempo. É preciso que empresas tenham estruturas inclusivas, é preciso que existam políticas públicas para abraçar as necessidades das famílias que estão também criando um cidadão na sociedade. ” aconselha.